A arte imita a arte
Para quem gosta de escrever, qualquer situação vira inspiração. E a música pode se inspirar em qualquer coisa, literalmente. Comumente vemos por aí canções que foram inspiradas em livros, filmes, novelas, cotidiano – e é claro, por poemas também, estreitando essa relação entre a música e a poesia.
Se observarmos, todo poema é uma música em potencial, já que dá uma estrutura sólida para compor junto da melodia acompanhando o seu ritmo.
Vemos grande poetas, mesmo sem a mínima intenção de se transformarem em parceiros musicais, tiveram suas obras transformadas em músicas por cantores e compositores conhecidos. Assim foi com Cecília Meireles, em que seu poema Motivo, foi musicado e gravado na íntegra pelo cantor Fagner. O texto, que fala sobre o canto e sobre a própria arte de ser poeta, deu origem a uma belíssima música do mesmo nome.
E agora, José?, poema de Carlos Drummond de Andrade, também foi musicado e gravado na íntegra, sem alteração na letra, nascendo outra obra prima: a música E Agora, José?, do cantor Paulo Diniz.
O dicionário define o termo “poesia” como uma composição de versos, geralmente com associações harmoniosas de palavras, ritmos e imagens. A definição se aproxima muito do que chamamos de canção., uma vez que harmonia rítmica e de palavras nos remete à poesia musicada. A relação entre poesia e música sempre foi íntima, como um complemento. Na Grécia antiga, a composição poética feita para ser cantada, seja por uma voz ou por coro, era chamada de lírica, porque era geralmente acompanhada por uma lira.
Umas das mais conhecidas músicas de Fagner, Fanatismo, é uma versão do belíssimo poema da grande poetisa portuguesa, Florbela Espanca. Uma celebração íntima da arte com outra arte, nos agraciando com a melodia em cima do que já gritava o poema.
Há também um argumento de que a função poética da língua funciona bem em letras de canções, mas não as transforma em poemas. Neste argumento está subentendido que a letra da canção ainda deve ser transformada em poesia. Além disso, a letra só funciona porque está contida em uma canção.
Se na Grécia já existiam poemas musicados, os trovadores medievais mantiveram essa tradição e os compositores atuais seguem essa tendência sem prejudicar de nenhuma forma a noção de poesia ou de poema.
Vinícius de Moraes - aliás, tenho um filho chamado Vinícius em homenagem a esse grande poeta – teve a sua Rosa de Hiroshima, musicada esplendorosamente na voz de Ney Mato Grosso, pelo grupo Secos e Molhados. Vinícius de Morais era poeta e músico e na maioria das vezes era ele mesmo quem musicava suas poesias. No entanto, alguns textos dele também ganharam vida na voz de grandes artistas musicais.
Existe uma dificuldade no método de classificar o que é um poema porque textos escritos em versos se diversificam de tal modo que não é mais possível estabelecer definições sem cair em subjetividades e achismos. Algumas vezes, esses achismos se tornam uma regra entre um grupo literário, e esse grupo passa a tentar impor essa regra à sociedade.
O que é certo é que para se inspirar vem de uma particularidade de cada um, e acredito que os artistas se inspiram entre eles, em algo parecido com “nada se cria, tudo se copia”.