A única lei, a liberdade. O único vínculo, a cultura
Desde as mais remotas idades de nossa existência sobre a terra, o homem tem capacidades identificadas. Uma dessas capacidade é o pensamento, outra a ação. O homem antigo baseava suas indagações em premissas míticas ou religiosas. Paulatinamente evoluiu para uma consciência racional – pelo menos é o que imaginamos ou desejamos.
Toda essa introdução filosófica é para lembrar que a democracia é o regime político em que a soberania é exercida pelo povo, os cidadãos são os detentores do poder e confiam parte desse poder ao Estado. E a democracia cultural pressupõe a existência de vários públicos, com suas necessidades, suas aspirações próprias e seus modos particulares de consumo, tanto na cultura local quanto naquela que pertence a um universo mais amplo, nacional ou internacional.
As políticas culturais em nosso país sempre pousaram numa enorme instabilidade, marcada, às vezes, por momentos de censura em determinados produtos culturais. Há de se democratizar mais esse acesso a essa cultura de massa. Lembro-me que na minha infância, em sua maior parte em Belém do Pará, tínhamos acesso, nos domingos e feriados, a museus, bosques, mesmo fazendo parte de uma família muito humilde. O que mudou desde então?
A França – sempre a França – é o berço das políticas públicas culturais tal qual conhecemos, com a criação do Ministério dos Assuntos Culturais, em 1959, sob o comando de André Malraux, escritor intelectual francês que se dedicou a refletir sobre a filosofia política e cultural ao longo de sua vida. A França percebeu, de forma pioneira, que a cultura e suas manifestações deveríam ser importantes aliadas nesse processo de reconstrução nacional do país no pós-guerra. O objetivo era oferecer ao grande público a possibilidade de frequentar espaços culturais, com exposições, teatros, cinemas, entre outros. Essa forma de fazer política, que virou exemplo em outros países do mundo, acho que menos no nosso, caracteriza-se por uma ideia central: a de democratização cultural.
O desejo por cultura deve ser estimulado desde a infância. É possível que um adulto que nunca foi a uma exposição quando criança se emocione diante de um quadro ou de uma escultura. Afinal a percepção de uma obra de arte está longe de uma relação estritamente social, mas será muito mais difícil que ele inclua em seus hábitos culturais a visitação constante a um museu ou instituição, já que ele não foi, ao longo de sua vida, habituado a isso.
O que podemos perceber é que não é simplesmente garantir o acesso através da gratuidade a esses eventos. Tem que haver um incentivo na formação e empoderamento desse público nesse sentido. O indivíduo precisa, acima de tudo, se sentir legitimado a frequentar e consumir determinados bens culturais para que ele, de fato, o faça. É bem comum perceber pessoas intimidadas a entrarem em uma galeria de arte por acharem que não pertencem àquele espaço.
A democratização da participação é indispensável para garantir o exercício dos direitos humanos e da cidadania. Se vivemos uma cultura que ignora ou diminui a política, jamais passaremos a discutir, escolher e avaliar bem os nossos representantes. Caso contrário, sou obrigado a concordar com o que disse o poeta argentino Jorge Luis Borges, “a democracia é um erro estatístico, porque na democracia decide a maioria e a maioria é formada de imbecis”. A cultura pode nortear esse processo e refutar o que disse o escritor.
Os espaços culturais, como museus, teatros, cinemas e bibliotecas, desempenham papel fundamental na democratização da cultura, pois são locais que proporcionam ao público o acesso a diversas expressões culturais. Por isso, é importante que esses espaços sejam acessíveis e estejam disponíveis em todas as regiões. Não podemos esquecer também que a falta de acesso à cultura brasileira se dá pela grande desigualdade social – uma má distribuição de renda e a ausência de uma educação de qualidade para a grande maioria.